30 de out. de 2012

cartas

Lembro vagamente as últimas vezes em que escrevi e recebi uma carta. Pelo correio, com selo, escrita à mão e tudo mais que uma carta que se preze precisa ter. Eu e uma amiga, filha de uma amiga da minha mãe, a certa altura resolvemos nos corresponder por cartas. Ainda que fosse mais velha, ela aparentemente não via problema nem absurdo na situação e encontrava tempo para escrever cartas para uma criança sem muito mais o que fazer na época. E ela fazia coisas incríveis: usava papéis coloridos de todos os tipos, fazia desenhos, usava o próprio papel da carta dobrado de jeitos diferentes que eu amava como envelope, botava perfume e um ps pra que eu cheirasse a folha e por aí vai. Não foi à toa que a moça se tornou publicitária. E eu - eu não sou nada, só continuo escrevendo. Como já escrevia naquela época e sempre achei mais fácil expressar qualquer coisa por meio de palavras escritas. Quando um parente - tio, tia, vô, vó, algum primo - fazia aniversário, minha mãe provavelmente não passou longe de fazer ameaças ou chantagens para que eu ligasse. Telefone sempre me apavorou. No final do terceiro ano, foi por e-mail que eu resolvi dizer ao colega que anos antes havia sido meu primeiro namorado que ele era, afinal, uma pessoa de quem eu inevitavelmente sempre me lembraria e a quem eu desejava toda a felicidade que fosse possível. Ele respondeu o e-mail de um jeito lindamente amável e entre todo o resto chamou a atenção para o fato de que era eu que me dava bem com as palavras escritas, ele preferiria me dizer tudo aquilo pessoalmente. Não sei há quantos anos eu não uso o correio para nada. Quero dizer, há quantos anos eu não uso, porque as contas seguem chegando sem erro mês a mês. Pensar em cartas hoje soa anacrônico, como pensar em lavar as roupas no tanque porque antigamente não existiam máquinas de lavar. Por que enviar uma carta quando se pode enviar um e-mail ou jogar mais uma mensagem no facebook da pessoa? Mesmo os e-mails, quando não referentes a trabalho, faculdade, newsletter de qualquer coisa, parecem ter sido substancialmente abandonados. Quase como se escrever um e-mail com a única finalidade contar algo a alguém fosse uma interpelação, uma invasão, uma perturbação do tempo e da caixa de entrada alheia. Uma pressão de resposta que o outro não quer sofrer. As pessoas estão todas variavelmente conectadas umas às outras em redes sociais, podem falar e dividir o que sentirem vontade quando sentirem vontade e com quem sentirem vontade, mas, em maior ou menor medida, deixam de conversar. De gastar talvez uma hora para realmente dizer algo a alguém. Mas é claro que isso é uma generalização tosca que, além de tosca, pode estar completamente distorcida. É mais ainda uma impressão. Baseada em nada mais do que observação breve. O fato é que quando recebo um e-mail, um e-mail que não seja referente a trabalho, faculdade ou newsletter de qualquer coisa, eu me alegro como com poucas coisas na vida. Dependendo do caso, meu coração acelera nos segundos que passam antes de eu abrir para ler, numa mistura deliciosa de expectativa, curiosidade e vontade que pode ser decepcionada ou satisfeita mas não importa. Necessidade de contato e diálogo com o outro a que todo ser humano está fadado e que se manifesta diariamente mesmo em mim, que sou capaz de ficar dias inteiros sem pronunciar nada. Dever ser por isso que às vezes deixo a consciência de lado e escrevo para quem a bem da verdade eu não tenho mais nada a dizer. Porque isso é uma mentira: sempre vão existir coisas a serem ditas. A quem esteja interessado em ouvir e a quem não esteja. As palavras são veneno e antídoto.

2 de out. de 2012

de um tempo que não acabou mas já passou

Hoje não vale nada. Como também já não valia naquele tempo. As manhãs intermináveis carregadas das mesmas discussões de tanto tempo atrás - papo furado, que se não anda em círculos tampouco chega a qualquer lugar. Conversas que dão ânsia de fuga no mais determinado de nós. E como são figuras tristes os nossos colegas determinados - não pela determinação, mas pelo emprego dela no infrutífero, em algo que, mais cedo ou mais tarde, perceberão, não vale o esforço. Eu acordo e vou para esse espaço em que paira uma atmosfera de superficialidade. O fenômeno dos lugares onde todos se conhecem sem conhecer quase ninguém. Não que não existam sentimentos entre os mais próximos, não que não haja amizades verdadeiras, mas sobra a interação com o resto - essa massa sempre estranha e alienada que nos rodeia.
Quanto a mim, eu nunca fui dos mais próximos, nunca criei com ninguém laços que fossem além do coleguismo. Não por falta de vontade. Nem mesmo por não gostar das pessoas. Muitos deles sempre foram e seguem sendo objetos do meu respeito, da minha consideração e do meu afeto. Não formei vínculos por culpa, é possível, da minha personalidade, que eu nunca consegui mudar. A aproximação com as pessoas é difícil para mim desde que consigo me lembrar de existir. Timidez, insegurança, receio, solidão, silêncio; um amontoado de variáveis em que já não é possível definir o que é causa e o que é consequência. O fato é que sou hoje, essencialmente, o que fui sempre: solitária, de sensibilidade exposta e vulnerável, de indiferença clara, perdida e fechada em melancolia e oscilações de fé na vida. A tristeza mediana de uma das histórias do livro do Paul Auster.
Tenho a impressão de que falta tempo e nada recebe a devida atenção, o empenho mínimo e necessário. Ou talvez eu não saiba, ainda, administrá-lo, porque não importa o quanto eu leia: sempre falta. E não importa o quanto eu escreva: é pouco ou não me satisfaz. Quando não os dois. Como produzir qualquer coisa digna e que valha a pena quando se faz tanto que não sobra concentração ou ânimo para fazer melhor? Pior: quando não se encontra nem um motivo para fazer melhor. Não sei exatamente de onde veio a ideia de que fazer menos é preguiça, "coisa de vagabundo". É seguindo essa linha fazemos sete cadeiras por semestre, não aprendemos nada direito em nenhuma e terminamos acreditando que fizemos uma grande coisa - sou foda, passei com A em todas. É seguindo essa linha que se faz tudo sem fazer nada. E o resultado disso é o futuro que eu vejo: pessoas - profissionais - capazes de fazer mil coisas ao mesmo tempo se for preciso, mas incapazes de fazer uma só - bem feita. É desolador pensar que talvez não haja mais nada para mim lá além da possibilidade, ainda que distante, de um dia terminar.
Perdi meu sentimento de pertença, partindo do pressuposto de que algum dia ele existiu concretamente e não apenas como uma presença em momentos esparsos. Esgotei minha energia de tentar ser como todos parecem ser, de tentar ser lembrada e reconhecida como igual. Depois de três anos de tolerância obediente, cansei, enfim, de ser diária e semestralmente julgada por quem a bem da verdade não sabe mais que o meu nome. E em tantas vezes nem isso. Gente igual a mim. Para algumas pessoas, diferentes das outras, na maioria das vezes é preciso tirar força e vontade sabe-se lá de onde só para viver. Quando há entrega demais, quando se sofre demais - por coisas grandes ou pequenas -, quando se sente demais.

9 de jul. de 2012

sobre morte e sobre chorar

É irônico como a morte, possivelmente o evento mais triste que pode se abater sobre determinado grupo de pessoas - uma família - minha família -, acaba se tornando por vezes também uma das poucas ocasiões de encontro dessa família. Primos e tios que uma vez decerto costumavam se ver toda semana, reunir-se nos aniversários, no natal, e que agora se encontram nos velórios. Os filhos crescem, vai cada um pra um lado, a vida toma seu rumo. E ali estavam esses primos do meu pai e do meu tio, esses tios e tias, pessoas que eu conheço de nome e de vista mas não muito mais do que isso e algumas das quais passaram a noite ao redor de um caixão, lembrando histórias, revelando detalhes até então desconhecidos dessas mesmas histórias. Meus dois avôs já morreram. E quando eles morreram eu não senti. Eu vi pessoas à minha volta visivelmente abaladas e me forcei a sentir aquilo também, uma lágrima que fosse, mas pouco ou nada aconteceu. No caso de um deles, foi só um ano depois. Meio tarde. Mas com a minha vó, mãe do meu pai, eu sabia que os finais de semana da minha infância, quase todos passados na casa dela, os jogos de carta, as brincadeiras e tudo mais que fosse não deixariam passar sem efeito. Eu saía do trabalho quando fiquei sabendo, depois de retornar uma ligação de casa em horário incomum. Eu chorei sentada nas escadas do sétimo andar da reitoria da UFRGS. Eu chorei no caminho até em casa, a chuva caindo e eu só queria chegar. Eu chorei no sofá, depois de parar de andar da sala pro quarto e do quarto pra sala sem saber o que fazer ou o que fazer primeiro. Eu chorei na rodoviária esperando o ônibus. Eu chorei no ônibus. Eu chorei na capela, depois que meu pai me acompanhou até o lado do caixão e eu não consegui olhar pro rosto sem vida da minha vó. Eu chorei em casa, naquela noite, e na manhã seguinte, quando fecharam o caixão e foi no ombro do meu tio que eu encontrei um lugar pra esconder o meu rosto. Eu chorei no banheiro, depois de ter entrado no quarto dela e visto todas as coisas - roupas, colares, perfumes, objetos - menos quem deveria estar ali. Ainda sinto meus olhos marejarem, de vez em quando, quando penso. E então eu tento não pensar. Tem um quê de morbidez em mexer nas coisas de uma pessoa com esse objetivo, de fazer uma triagem - o que guardar, o que dar, o que jogar fora. Eu e meu tio passamos o fim da tarde e a noite de sábado abrindo gaveta por gaveta, armário por armário. Encontramos as balas do revólver do meu vô. Dele também uma faquinha de uns dez centímetros, pouco mais, um canivete e uma caixa de moedas antigas, uma delas com quase duzentos anos. Queimamos cera de depilação, amostras velhas de creme e dezenas de papeizinhos. Vasculhamos caixas e caixas de colares, brincos e bijuterias antigas. Numa delas, eu encontrei o colar que ele, meu tio, havia feito pra ela quando ainda estava na escola, com uns oito anos, de missangas e papel enrolado. Cartões meus e do meu irmão. Bilhetinhos. Toda sorte de objetos – pingentes, correntinhas, pedras, livros do novo testamento. Remexemos em tudo, vimos fotos, lembramos histórias, rimos de várias delas, choramos ou nos emocionamos com outras, ao sabor de pinhão batido na chapa. Voltei pra casa com uma herança bem maior do que as pulseiras de ouro que eu já tinha ganhado nos meus 15 anos. Ela recortou as páginas das matérias que eu escrevi no JU. Não sabemos onde ela guardou. É estranho pensar em como todos esses objetos acumulados ao longo da vida deixam de fazer sentido quando a gente morre. Coisas que minha vó guardava com alguma intenção e que agora foram transformadas em lembranças materiais para quem ficou. E o resto - sabe lá. E ninguém sabe. Ninguém que passa por mim na rua pode perceber - eu perdi alguém. Eu perdi alguém que me amava e que eu amava também. A vida segue, outra vez, desgraçada como sempre.

5 de jul. de 2012

A chuva caindo, tudo molhado. Só os passos, um depois do outro. Sem pensar em nada. Só no quanto a vida é um lixo e leva do mundo as pessoas que nos amam, as pessoas que a gente ama.

3 de jul. de 2012

rip

Quando se abre um blog e não vem nada à cabeça,
quando se abre um blog e se tem preguiça,
quando se abre um blog e postar nele parece ter perdido o sentido,
quando se abre um blog e o interesse não vem,
quando se abre um blog e escrever nele exige esforço,
quando se abre um blog, escreve-se nele com esforço e o resultado é um lixo,
quando tudo isso acontece, percebe-se claramente que esse blog morreu.

24 de jun. de 2012


"There's just this pressure I feel to be, well, 'on', you know? Like it's just so much effort. And then when I am there and 'on', I have  this sick compulsion to play this stupid game humans always play when they're hanging out together - this game where one person tells a story about how great he is, and then the next person somehow finds a connected story that tells how equally great, or greater, she is. The game goes on and on like that the full eighthour workday. And as much as I try to just be like everyone else, I always end up leaving feeling hollowed out, fucking gutted - like I need a drink - like I must be some entirely different species from the rest of humanity."

"There are a lot of times when I still hate everything - you know, most of all myself. And in those moments, well, using can seem like an all right idea. But, fuck, man, the thing is, those moments are only moments. I've been through 'em enough times to know that they will pass. [...] So what I do is, man, I hide out in bed. I watch a movie. I lie on the floor with little Quimby and pet him and cry and wait. 'Cause it passes. A day goes by, or two, or a whole fucking week, but then it's over and I can see the truth again. The truth is: It's a beautiful life. I've just got to hold on, is all. I've gotta hold on. 'Cause it will be all right. And we keep moving forward like that. No matter how many times we stumble. No matter how many times we all fall down."

14 de jun. de 2012

27 de mai. de 2012


20 de mai. de 2012

essa maravilha

Que vida é essa de uma espera que nunca chega ao fim? De sentir satisfação, mas não felicidade. De sentir alegria, mas não completude. De não ser capaz de saber o que se quer. Eu só sei o que me faz sofrer, o que dói, o que me faz infeliz, o que me faz não querer levantar de manhã ou querer dormir por um ano. Ou só estar longe. Nos lugares onde eu me sinto bem. Rodeada por quem eu amo e por quem eu sou amada. Não é aqui. Talvez nunca seja. Tantas vezes eu olho. E vejo muito pros outros. E quase nada pra mim. Onde fica a minha vida? O que a minha vida espera de mim? Quando tudo o que eu já tentei até agora fracassou miseravelmente. E qualquer resquício de acerto chega a parecer coincidência ou consolação. Sorte do destino. Destino de merda. Não existe destino, e eu não vejo grande coisa. Nem grandes caminhos, nem grandes possibilidades. Só os dias, só as horas, só as palavras tentando em vão preencher um espaço sem perspectiva. Tão automático dizer eu não sei, eu não sei. Eu nasci e vou morrer e ainda não vou saber. Saber é difícil. Eu só queria não sentir dor. Por viver. Essa tristeza imensa, tão grande e forte que eu não consigo medir nem descrever e que insiste em sempre voltar. Em alguns dias, talvez uns meses, quem sabe alguns anos. Ou em nunca me deixar de verdade.

20 de abr. de 2012

Me pergunto se há um caminho diferente de ser para sempre a esquecida. Meus substantivos estão acabando e meus verbos estão estanques

9 de abr. de 2012

5 de abr. de 2012

a beleza das canções e a beleza das palavras
a beleza do ritmo
voz sussurada
e olhos pesados numa manhã de inverno

31 de mar. de 2012

Vou ficar até o fim do dia
Decorando tua geografia

15 de mar. de 2012

o sorriso

Tinha uma expressão séria e tendia à depressão. Sessões semanais de terapia. Era irônico, calado, e pouco o viam sorrir. Mas é esse o encanto das pessoas assim: em um mundo de emoções cada vez mais forjadas, quando elas sorriem, enchem qualquer lugar com um sorriso de verdade.

12 de mar. de 2012

interminável

Enquanto não chove e não se sabe se se está feliz ou se é apenas a vontade de se mostrar feliz. Para que vejam e tenham certeza do progresso - mas ninguém vê. E mesmo que vissem - por que seria bom? Talvez nem fosse. Possivelmente. Provavelmente. Certamente. Infelizmente. Sem notar ele não é notado, mas de quando em quando. De quando em quando, como se forças invisíveis e desconhecidas levassem minhas mãos até lá. Maldita disponibilidade de informações. Maldita presença. E a existência ignorada pelo egoísmo de quem só é capaz de ver as próprias mágoas e sentir o peso dos próprios ombros. Pimenta nos olhos dos outros, refresco. Contanto que meu caminho esteja livre, porém. Felizes os que não vêem. Mas é uma questão de tempo, e a dor é relativa. Quando vê, não é mais dor, mas uma marca qualquer do que um dia já doeu. De dilacerar, rasgar, afundar. E já foi. Que se prender costuma ser uma espécie barata de retrocesso. O discurso vazio e a falta de legitimidade de quem aprecia a retórica vitimista. Quem dera nós pudéssemos. Fazer essas coisas que vêm da imaginação, provar das sensações novas que a vida por vezes oferece, dançar como se o outro fosse a sala vazia, trocar conhaques e carinhos, cigarros e cafés. Mas há muito que ser ainda para que um dia nossas vontades sejam verdades. Há muito que ler para que um dia se possa falar.  Os mapas que deveriam guiar fazem mais se perder, e em meio a encruzilhadas e obstruções a vida já não decide por onde seguir. Os monstros do dia acordam a cada esquecimento e os da noite nunca dormem. Entre xícaras matutinas de café amargo e almoços que ficam para trás, muitas forças se esvaem para reacender no meio de palavras sobre cujo significado pouco se sabe. O calor consome. A mistura de signos e motivos dá à luz criações suspeitas. E do que se diz disposição sobram migalhas ao fim do dia. Restos de um ímpeto qualquer de qualquer coisa. Vestígios do que já foi ou do que uma vez poderia ser mas já não é. Os gracejos da sucessão dos dias e das falhas querendo ofuscar os acertos. Não, não. Só por hoje. Bons momentos. Cedo ou tarde - em cinco ou cinquenta anos. Alguma coisa há de acontecer. O curso muda. É tempo de escrever. E mesmo amanhã nós já não somos mais nós.

26 de fev. de 2012

falta

Eu nem sei o que dizer. Quando tudo ao redor e mesmo a sucessão dos acontecimentos parecem conspirar a favor, mas são atropelados pela dinâmica de uma mente em redemoinho, que eternamente vai e volta em círculos sem jamais sair do lugar. Ou pelo sentir que não quer morrer e se mantém às voltas, rondando, para atacar quando menos se espera, quando menos se quer e quando menos se precisa. As palavras me faltam e meus olhos são só lágrimas murchas, que fazem força para sair sem nem saber a que vêm. Não sou capaz de saber o que pensar quando não sou capaz de saber o que eu sinto. Hoje, esses dias em que definir qualquer coisa é crime. Nada nem ninguém será rotulado, estereotipado ou generalizado. Quando todas as formas de amar e sentir descem pelo mesmo funil e se tornam a mesma coisa. Farinha do mesmo saco. Eu não sei no que eu acredito. Quando sou louca e esquisita por não jogar com a maioria. Quando tudo se resume a nada. Minha casa sem vozes e o sono que eu queria dormir mais e mais a cada dia à medida que março se anuncia. Meu asco, minha raiva, minha tristeza, meu tédio, minha risada e minhas saudades, que vêm no plural, nunca são uma só. E mergulhar em qualquer coisa só para não estar na superfície. A solidão que afasta do mundo, das pessoas próximas e distantes, que faz o que oceano e continente não fariam melhor. Não se leva nada. Ganhar ou perder. Imaginar um lugar que não existe, um lugar bom. Não é ingratidão, é só a incapacidade de ser feliz de longe.

24 de fev. de 2012

anuviez

Meu atraso constante para as coisas que me tocam o coração em contraste com minha pontualidade impecável para aquelas só fazem afundar meu espírito ou o que resta dele. Essa palavra esquiva, que eu não sei qual é meu espírito. Canelense, colorado, caseiro? Inquieto, indeciso, inseguro? O que passa por cima de mim mesma e soterra minha vontade. De quê? Esvaziar a garrafa, esquecer para depois lembrar. Enquanto os dias seguem correndo e as surpresas chegam com cara de cansadas e hora marcada. O sentido de ficar esperando para ser encontrado ao mesmo tempo em que a covardia bem ao lado sorri serena o seu sorriso de vitória. Andar na rua, decorar pedras soltas e desenhos de calçadas em caminhos repetidos milimetricamente à exaustão. Verão não existe para inovar, verão é o esquecimento de tudo diante do mar ou no conforto da rede na varanda de casa. Essas casas de praia, com suas áreas repletas de redes e cadeiras e suas cozinhas acopladas à sala que só podem ser o ápice do aconchego de qualquer época. Nada pode ser mais bonito ou acolhedor que uma autêntica casa de praia. E até que cheguem as manhãs, tardes e noites de outono a capacidade de qualquer coisa descansa sob o calor, a preguiça e o desejo, enfim, de que os dias corram. Bonito seria lembrar para depois esquecer e então seguir sorrindo ao sabor das brisas da metrópole ou da serra. Sabor de satisfação, preenchendo o corpo fatigado de frustração. Pelo rigor da sorte ou culpa própria, sangue alemão abrasileirado que se desencontra em qualquer parte. Das mortes, a sobra dos silêncios e espaços vazios. Não há saída ao longo do tempo, de válvulas de escape esgotadas, pedindo também para escapar. Ao fugidio, ao efêmero, ao artificial e oco. Nas sombras das árvores do Bom Fim.

22 de fev. de 2012

a puppet on a string

Me inspiram os que escrevem, os que se separam de mim por um abismo e os que são como eu. Nas temperaturas de Porto Alegre eu só posso lamentar o frio que insiste em todo ano se demorar. Saudade serrana que eu sempre vou carregar, não importa o quão perto. E o que eu vivo aqui segue ficando para trás, junto às coisas que eu trouxe de lá e o que eu nem quero mais saber. Minha ambição carente de objeto ambicionado. Qual a explicação para a dificuldade de se dizer não? Não para  os outros, e para os outros também, mas para si mesmo e para as vontades descabidas e já gastas que às vezes esquecem de ficar também para trás com todo o resto. Como se assinar a sentença de um não fosse me roubar algo há muito já ausente, inexistente quem diz. Como se fosse definitivo - e nada na vida que não a morte pode ser definitivo. A gente sabe e esquece. A gente sabe e ignora. A gente sabe e insiste nos erros repetidos, ano depois de ano, música depois de música, fim depois de fim. E vem a vida brincar como se tudo fosse nada e nada valessem os esforços, vãos, vãos, vãos. Quem tu pensa que é pra me desafiar? Se der certo agora, eu te pego na curva depois. Pode esperar, que as cordas da tua felicidade são meus dedos que controlam e eu solto ou arrebento conforme me convier. Vai lá, hoje a noite é tua, amanhã e nos dias e meses que se seguirem nós acertamos a conta. Vai lá, vai. Cansei de ti por hoje.

30 de jan. de 2012

pra ser

Como se o mundo fosse infinito. E o mar é tão grande logo ali que é mesmo como se fosse. E bastasse nadar um pouco para trocar de continente. Eu, sempre assim, disfarçando o que eu não sei nomear colocando a culpa no que jamais me causaria sofrimento. Não hoje. Mas o que é hoje senão um espaço de tempo tão impalpável quanto ontem ou amanhã. Mais um dia, mais uma vez despertador, de novo não ver nada de novo. Honestamente, do fundo da minha alma, com tudo o que eu sou capaz de pensar e formular, eu não sei. E porque me pergunto todos os dias, todos os dias sei ainda menos. O meu problema, que vive comigo, há um tempo cuja precisão me escapa, mas que eu não sou capaz de definir. Talvez porque dar nome implique saber a solução, talvez porque eu simplesmente não saiba. Por que a vida não me chega leve, por que os dias não me passam suaves, por que estar longe me dói tanto que às vezes eu não sou capaz de nada senão chorar. De olhos apertados, querendo acordar e me ver livre. Tomar café com a mãe, ver a novela das seis, não se lembrar da vida por enquanto. Sentir a dor antes de ela chegar. Querer estar perto antes de estar longe. Pular ou voltar dez anos na vida - qualquer dia menos hoje, qualquer tempo menos esse. Como se a vida fosse infinita. Era pra ser uma coisa boa.

25 de jan. de 2012

whatever planet

Kurt Cobain said he always felt like he was an alien dropped off on this planet by mistake. And I definitely can relate to that. So often I feel like I can't stand people and want to go live in a cave somewhere. But then I also really care about people, too, you know? And crave human contact...so it's confusing. I do want to be a part of the world. But sometimes I don't know how. Or, yeah, I feel like an alien. But, as I've gotten older, and stayed sober longer, it has definitely gotten better. Like, slowly I've figured out who I am and what I want and don't want and I'm able to be more true to myself. It's annoying, I know, that I always say this, but the truth is, I just have to hold on. If I hold on through the bad times and believe, it will, ultimately, always, get better. I will find my place and my meaning. It will come. Not through other people or substances or anything. It will come from within me.

22 de jan. de 2012

do borges

Se meus dias são mais monótonos, todos os pensamentos possíveis parecem passear pela minha cabeça antes de dormir. Lugares, situações, falas de pessoas, minhas vontades - que eu sei que estão bem aqui, mas me deixo incapaz de alcançá-las ou de encará-las por algum motivo -, referências. As minhas referências rasas e tão poucas. A vontade de ler todos os livros que o mundo tem a oferecer para mim, para alguém como eu, que é tão grande quanto a vontade de escrever tudo o que for possível, tudo o que eu conseguir. Mas eu não tenho a minha história. Não sonhei ainda com o meu Harry Potter, tampouco vislumbro coisa parecida. E enquanto isso, enquanto que por ora é também só o que há pela frente, eu escrevo contos que talvez meia dúzia de pessoas leiam. Talvez menos. E as coisas vão dançando assim na minha cabeça até o momento em que eu finalmente decido acender o abajur, botar os óculos, procurar papel e caneta, dormir em paz. As coisas vão dançando assim na minha cabeça enquanto eu leio e depois enquanto lembro o que li no meu primeiro Borges. O Borges oral. E mais do que ficar maravilhada com quase cada linha, eu me pergunto como foi possível a existência desse homem. Quem é esse homem capaz de falar de tantas coisas e tão distintas com tamanha propriedade? Citando matemáticos, filósofos, pensadores, poetas, escritores, toda sorte de homens que o mundo já pôde abrigar. O Jorge Luis Borges que me apareceu pela primeira vez em uma entrevista em que Fernando Henrique Cardoso citava um poema e fazia a recomendação da leitura. Há mais de dois anos. E desde então foi um dos nomes em suspenso, até ser encontrado e comprado casualmente, porque a livraria não tinha minha primeira opção hoje esquecida e eu não consigo sair de uma livraria sem um livro e não ter certeza de que alguma grande oportunidade foi perdida. Assim eu comprei o Borges, que veio para ser o terceiro livro da vida da minha vida. Ao acaso, como os outros os dois, se existir acaso. Já larguei antes da metade uma porrada de livros. E outros tantos, incontáveis, nunca li - mas não me sinto mal por eles. Me sinto mal pelos livros que eu larguei muito mais do que por aqueles que eu sequer me dei o trabalho de adquirir. Os que eu larguei continuam nas minhas prateleiras, mas é difícil dizer se algum dia vou tornar a abri-los . Os outros têm ainda todas as chances. O Borges apresentou as conferências do livro em universidades, falando de tempo, livros, sonhos e pesadelos, contos policiais, poesia, budismo, a cegueira. E aqui eu escuto sobre lides, sobre estrutura de notícias, sobre cases publicitários, sobre as cores na televisão. Quero me negar a acreditar que não exista nada melhor do que isso, nada que realmente me interesse e satisfaça intelectualmente, nada que dependa de uma quantidade de dinheiro de que eu não disponha. Mas, se isso for verdade, eu só consigo pensar que encontrei alguém para me fazer companhia com boas palavras.

16 de jan. de 2012

plena(mente)

Cinco dias longe de internet. E é tão absurda e completamente dispensável que eu até me espanto. Ao ponto de sentir alívio por estar longe, por não ter que ler, não ter que ver, não ter que dar conta do que acontece ou do que as pessoas andam falando. Ter uma razão pra não saber. É um estilo de vida mesmo estranho esse que a gente criou, compartilhando sensações artificiais por cliques. Palavras-cruzadas na praia em dias de chuva são algo mais carregado de vida do que isso. Imensamente.

10 de jan. de 2012

meu tio

Eu falei uma vez aqui, não sou capaz de precisar quando, possivelmente em 2009, da sensação de que às vezes meu tio, esse cara que aparece nesse lado do país uma vez a cada dois anos em média, me conhecia melhor do que muita gente. Muita gente que tá aqui do meu lado, que me vê todo dia. Ele me disse, naquela ocasião, pra eu viver 'a minha vida. A minha vida'.
Eu ainda nem tinha pisado na UFRGS.
Dois anos depois eu volto pra dizer não só que ele me conhece e sabe o que dizer, mas que é um dos melhores homens - pessoas - que eu conheço. O mundo seria um lugar imensuravelmente melhor se mais gente como ele andasse por aí nessas calçadas.
"Fidelidade pra mim tá acima de qualquer coisa."
"O que teu pai fez com a tua mãe foi injustificável, mas você nunca duvide do caráter e do grande homem que ele é. Nunca ponha isso em questão. Nunca mesmo."
"Essa é uma das músicas mais bonitas daqui. Foi a música que me fez gostar de Porto Alegre."

2 de jan. de 2012

with curses spilling from my head

Dizer as coisas que eu não quero ouvir. De dentro pra fora. Quase vomitado. O que eu quero dizer. Mas como é difícil saber o que eu quero. Eu quero escrever. Eu quero ter o que cuspir nos papéis ou na tela - e eu tenho, e quero me livrar e fazer disso algo que valha a pena em algum outro espectro. Eu quero sair daqui - onde? E depois do ponto de interrogação eu sei que aqui é muito menos um lugar físico do que um estado de alma, uma aglomeração de crenças, sentimentos e perspectivas. Eu quero uma semana de solidão na praia. Eu e eu quero acreditar no que quer que eu faça enquanto viva. Existe um meio? Um modo. Uma rosa dos ventos desnorteada. Norte, sul. Já não sei se o sol nasce no leste. Meu sol se põe quando os pensamentos chegam em casa e se afundam no sofá à espera. E eu espero. E ele torna a nascer quando eu finalmente consigo afastar o que eu penso, algumas horas, sonhando com outras coisas, melhores. Quem é que vai me dizer o que é certo? Realmente certo. O mundo é caótico e mesmo assim alguém insiste em dizer. O certo, o que se pode fazer e o que é feio, errado. Marginal. Eu não sei. Que rumo. Dar pra minha vida. Tampouco sei que vida é essa. Só que queria passá-la rodeada de livros. De qualquer tipo, de qualquer lugar, de qualquer autor. Essas outras histórias melhores e mais dignas que a que eu mesma escrevo, dia a dia, da forma mais errada possível.