2 de out. de 2012

de um tempo que não acabou mas já passou

Hoje não vale nada. Como também já não valia naquele tempo. As manhãs intermináveis carregadas das mesmas discussões de tanto tempo atrás - papo furado, que se não anda em círculos tampouco chega a qualquer lugar. Conversas que dão ânsia de fuga no mais determinado de nós. E como são figuras tristes os nossos colegas determinados - não pela determinação, mas pelo emprego dela no infrutífero, em algo que, mais cedo ou mais tarde, perceberão, não vale o esforço. Eu acordo e vou para esse espaço em que paira uma atmosfera de superficialidade. O fenômeno dos lugares onde todos se conhecem sem conhecer quase ninguém. Não que não existam sentimentos entre os mais próximos, não que não haja amizades verdadeiras, mas sobra a interação com o resto - essa massa sempre estranha e alienada que nos rodeia.
Quanto a mim, eu nunca fui dos mais próximos, nunca criei com ninguém laços que fossem além do coleguismo. Não por falta de vontade. Nem mesmo por não gostar das pessoas. Muitos deles sempre foram e seguem sendo objetos do meu respeito, da minha consideração e do meu afeto. Não formei vínculos por culpa, é possível, da minha personalidade, que eu nunca consegui mudar. A aproximação com as pessoas é difícil para mim desde que consigo me lembrar de existir. Timidez, insegurança, receio, solidão, silêncio; um amontoado de variáveis em que já não é possível definir o que é causa e o que é consequência. O fato é que sou hoje, essencialmente, o que fui sempre: solitária, de sensibilidade exposta e vulnerável, de indiferença clara, perdida e fechada em melancolia e oscilações de fé na vida. A tristeza mediana de uma das histórias do livro do Paul Auster.
Tenho a impressão de que falta tempo e nada recebe a devida atenção, o empenho mínimo e necessário. Ou talvez eu não saiba, ainda, administrá-lo, porque não importa o quanto eu leia: sempre falta. E não importa o quanto eu escreva: é pouco ou não me satisfaz. Quando não os dois. Como produzir qualquer coisa digna e que valha a pena quando se faz tanto que não sobra concentração ou ânimo para fazer melhor? Pior: quando não se encontra nem um motivo para fazer melhor. Não sei exatamente de onde veio a ideia de que fazer menos é preguiça, "coisa de vagabundo". É seguindo essa linha fazemos sete cadeiras por semestre, não aprendemos nada direito em nenhuma e terminamos acreditando que fizemos uma grande coisa - sou foda, passei com A em todas. É seguindo essa linha que se faz tudo sem fazer nada. E o resultado disso é o futuro que eu vejo: pessoas - profissionais - capazes de fazer mil coisas ao mesmo tempo se for preciso, mas incapazes de fazer uma só - bem feita. É desolador pensar que talvez não haja mais nada para mim lá além da possibilidade, ainda que distante, de um dia terminar.
Perdi meu sentimento de pertença, partindo do pressuposto de que algum dia ele existiu concretamente e não apenas como uma presença em momentos esparsos. Esgotei minha energia de tentar ser como todos parecem ser, de tentar ser lembrada e reconhecida como igual. Depois de três anos de tolerância obediente, cansei, enfim, de ser diária e semestralmente julgada por quem a bem da verdade não sabe mais que o meu nome. E em tantas vezes nem isso. Gente igual a mim. Para algumas pessoas, diferentes das outras, na maioria das vezes é preciso tirar força e vontade sabe-se lá de onde só para viver. Quando há entrega demais, quando se sofre demais - por coisas grandes ou pequenas -, quando se sente demais.

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