31 de jan. de 2011

e sentir

Não se sabe o que é sentir. Poderia ser a constatação da vulnerabilidade. O viver entre o alto e o baixo, como se jamais se pudesse estar em um patamar de estabilidade. Dor, frustração, cansaço, pessimismo, descrença povoam a alma. Quem sabe o que é a vida. Sabe-se que liberdade não existe. E a busca pela expressão e as frases curtas que não dizem nada. E as frases longas que se pretendia se perdem na esfera dos pensamentos que não se fazem transcritos, por incompetência, impaciência ou simplesmente por impossibilidade, porque há o que não pode ser escrito - só sentido.
A fricção das unhas sobre a pele.
Em italiano, aprende-se a desnecessidade do sujeito.
Estávamos sós - mas havia outra vida para além daqueles dias - o resto dos dias - os dias desconhecidos. E todos os sentimentos se mantinham resguardados no limite daqueles dias - os dias conhecidos. A saudade como efeito da crença em algo que não existia. Terá nunca existido?
A dor pungente. "Sentis uma dor, e, quanto mais ignorais, tanto mais sentis essa dor." Nos momentos em que se acredita, sana ou insanamente, na eternidade do que causa dor. O arrastar do tempo e o arrastar de tudo.
Acorda-se um dia, de repente, e vem a percepção de que a eternidade é falsa. O alívio. Porque ninguém pode ser mártir para sempre sem morrer. E mesmo morrendo. Não está mais ali, então. Nem a dor nem os motivos - e a história é só memória boa, que não dói lembrar. Nunca se sabe como - nunca há de se saber como -, mas não está mais ali do mesmo modo de antes. E o sentir já é outra coisa.
Puderam os anos serem sempre períodos assim.

minhas férias até aqui

"Existiria algo tão real quanto as palavras?"

"Chegamos a tal ponto que a 'vida viva' autêntica é considerada por nós quase um trabalho, um emprego, e todos concordamos no íntimo que seguir os livros é melhor."

"O mundo gira, mas parece que estou sempre no mesmo lugar. Girei sem sair do lugar. Pulei sem ter para onde ir. Minha vida é o sobe-e-desce de uma cama elástica."

"Morrer - dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne"

"Quem tem um só grão de sapiência,
E hei, e ho, mesmo com vento e chuva,
Faz do que tem sua conveniência
Pois a chuva, ela chove todo dia."

"A vida é só uma sombra: um mau ator
Que agita e se debate no palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria,
Sem querer dizer nada."

"(...) aquele era nada mais nada menos que o meu primeiro balão em todos os seis ou sete anos que levava de vida. Íamos nós ao Rossio, já de regresso a casa, eu impante como se conduzisse pelos ares, atado a um cordel, o mundo inteiro, quando, de repente, ouvi que alguém se ria nas minhas costas. Olhei e vi. O balão esvaziara-se, tinha vindo a arrastá-lo pelo chão sem me dar conta, era uma coisa suja, enrugada, informe, e dois homens que vinham atrás riam-se e apontavam-me com o dedo, a mim, naquela ocasião o mais ridículo dos espécimes humanos. Nem sequer chorei. Deixei cair o cordel, agarrei-me ao braço da minha mãe como se fosse uma tábua de salvação e continuei a andar. Aquela coisa suja, enrugada e informe era realmente o mundo."

29 de jan. de 2011

a aranha

Tava deitada no banco da rua, lá em casa, esperando meu pai pra vir pra praia com ele, quando uma hora olhei pra parede e vi uma aranha se balançando num fio de teia, mais ou menos um metro acima da minha cabeça. Cheguei a pensar em levantar, vai que ela cai, mas desisti, porque ela não descia, e afinal de contas se eu estava deitada, era porque queria ficar deitada, e não sentada e muito menos de pé. Fiquei ali olhando a aranha subindo, descendo e balançando pendurada no fio invisível de teia. O cara que inventou o rapel deve ter se inspirado nisso. Pouco depois ela começou a descer mais e, então, eu levantei, mesmo sabendo que não ia acontecer nada, por uma dessas reações que nos ensinam a ter desde criança. Fiz menção de pegar a vassoura do meu lado pra matar aranha, mas desisti. Sentei de novo, olhando pra cima. Ela ficou ainda um tempinho ali e depois subiu pro telhado. E eu fiquei pensando em qual teria sido, afinal, a minha vantagem se eu tivesse matado a coitada com vassoura quando tive chance. A certeza de saber que ela não entraria na minha casa? E daí. A probabilidade de uma aranha entrar em uma casa e picar alguém é menor do que a de ela entrar, ser vista e ser morta. Se desde o início eu não tivesse percebido a presença dela, nada teria sido diferente pra mim ou pra ela.
Tem tanta coisa assim na vida. As coisas que talvez se a gente só ignorasse e deixasse quieto, em lugar de ficar paranóico e 'tomar uma providência', não dariam em absolutamente nada, não mudariam nada na vida de ninguém, e seria melhor assim, pra todos os lados. Mas acho que nós raramente somos treinados a ignorar - nós somos incitados a agir, sempre.
Nessa hora minha mãe apareceu na janela: "Ué, tá fazendo o que aí?"
Não tô fazendo nada. Tô só pensando nas aranhas.

19 de jan. de 2011

na cozinha com o maninho

Cozinhei com meu irmão hoje. Arroz, bife e ovo, risos. Na verdade ele fez os bifes e fritou os ovos e eu só esperei o arroz secar, mas ainda assim. Questão de hierarquia etária. Depois fiz ele limpar o fogão, "agora".
Desde já treinando para quando o fatídico dia chegar. E o que vai ser da minha vida nesse dia, meu deus.

17 de jan. de 2011

aconteceu, e assim pareceu

Falam tanto do íntimo humano. Dos problemas e sentimentos humanos. Mas quem entende? Ninguém que não sinta é capaz de de fato entender. De saber. Os ímpetos que nos assolam. Bobagem. Não existem terapia ou remédios. Existe sentir e não sentir. Existe sentir, parar de sentir e se mexer e dar um jeito. Ou não. Ou contentar-se em carregar tudo pelo resto da vida pra sentir de mês em mês e então não saber o que fazer e querer poder jogar tudo-nada pro alto. Existe louça pra lavar e secar. Roupas a serem lavadas, penduradas, recolhidas antes da chuva e passadas.
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Mas acho que fiz o que podia ter feito de melhor por mim nesse verão: li Shakespeare.

3 de jan. de 2011

E agora o resto das nossas vidas.

2 de jan. de 2011

r

Acordei às cinco e meia. Faz dias que eu não durmo como gostaria e como eu costumo.
Mas na praia, ainda com chuva, não é de todo ruim.
Eu odeio seres humanos, e a mim mesma, odeio a nossa espécie por ter a mais desnecessária das capacidades. E habilidades. Isso de conseguir tornar tudo um pouco mais difícil. Nada é páreo para a estupidez de um ser humano. Não há nada simples que não possa ser complicado, não há nada fácil que a gente não possa dificultar. Ver dragões em moinhos. A cada situação estranha - nova. E estragar, mesmo que involuntariamente, ou simplesmente tentar estragar, mesmo que involuntariamente, o que é bom ou qualquer coisa que faça mais bela e válida a existência humana na Terra. Que vida precisa de estima? "Uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?" A nossa tolice pode ser resumida na escolha do segundo, mesmo sem reconhecimento ou admissão. Nós somos seres humanos. Maiores do que isso. Nobres e evoluídos. Sempre em frente.