28 de set. de 2010

'get a life'

Eu vou dormir e me perco com lembranças de um relacionamento que, agora eu vejo - não sem alguma dor e ainda com saudade -, só existia nos finais de semana. E, principalmente, nesse apartamento. Que ficou pronto com ele. E que agora se encontra cheio da ausência e da presença dele ao mesmo tempo. Na fresta da porta de correr pro gato que eu não tenho, na colher virada pra baixo na pia - não pra cima - enquanto eu cozinho, no nescafé batido, no cinzeiro roubado, no canto da boca enquanto ele falava que eu ainda consigo ver como se estivesse na minha frente, na claridade que passa pela porta do quarto e machuca os olhos de manhã, na toalha que ele usava pra tomar banho, no sofá e na cama que às vezes parecem grandes demais, na luz da sala que eu acho que só vou conseguir acender quando for obrigada, quando queimar a do abajur. Talvez ela ilumine demais. Coisas que eu não quero mais ver. No eterno 42 do box na rodoviária. No vinho no terraço que, no fim, a gente nunca vai tomar.
Meu pai disse que ia me dar tintas e um rolo pra eu pintar aqui, porque "pintar parede é uma terapia". Eu acredito que seja. E, embora não saiba ainda se ele falava sério ou não, eu gostei da idéia. Era o que eu queria poder fazer: mudar tudo de lugar, mudar tudo. Começar de novo de novo. "Tudo novo de novo". Pra não ter que ficar lembrando. Pra ficar mais fácil de acreditar numa sensação que, fora daqui, às vezes eu até consigo ter. A de que foi há muito mais tempo do que semana passada, de que foi em outra vida, de que não aconteceu de verdade, de que foi um sonho ou uma coisa que eu inventei. É mais fácil fantasiar. É mais fácil viver outras vidas. E não a minha.
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Eu acho que, talvez especialmente nesses momentos, a gente costuma achar que o mundo e a vida são coisas só nossas, que trazem os piores problemas e as piores perspectivas e as piores sensações e dores só pra gente, como se nada mais existisse realmente ou valesse a pena. Mas não é verdade. Ainda que, por real crença ou teimosia, a gente possa pensar que nada vale a pena - e mesmo que nada valha, de fato -, as coisas todas continuam lá fora. Acontecendo, seguindo, mudando, começando, terminando; valendo a pena ou não. E as minhas sensações, as minhas dores, os meus problemas e as minhas perspectivas são só mais meia dúzia que não significam nada pro mundo. Ele continua aí, girando. E tudo vai ir e voltar o tempo todo até eu morrer. É questão de se adaptar - ou não.


Os cachorros continuam mijando nos postes.

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