Atrás de uns esquemas do colégio, eu só encontrei coisas da Toca. Os meus pareceres descritivos, mais exatamente. Tudo que as tias viram em mim dos três aos seis-quase sete anos.
O primeiro deles, do meu primeiro ano lá, dizia que eu tinha dificuldade de me equilibrar e de pronunciar o r e o nome de dois colegas (William e Alisson, que, descobri ali, eu chamava de Wili e Wali, hahah), que a minha adaptação tinha sido tranqüila e que eu era uma criança feliz, alegre e comunicativa.
Então alguma coisa misteriosa aconteceu, de 1994 para 1995, porque do segundo em diante: comportamento tímido e discreto, muitas vezes prefere brincar sozinha, sensibilidade, chora facilmente. E aí, pra amenizar a desgraça: extremamente cuidadosa e caprichosa, organizada, atenta, vocabulário rico, muito espontânea e alegre na companhia dos colegas mais queridos e/ou quando acredita não estar sendo observada.
'Eu não quis participar de uma brincadeira que consistia em encontrar, com a ajuda da professora, um colega em um quarto escuro.'
'Eu me empolguei com a presença do meu pai na escola na Hora do Conto.'
'Eu adorava subir nas árvores e brincar na grama.'
'Eu optava por ser a última do "trem" (a fila) nos passeios.'
Falaram até de um amigo imaginário. E que eu adorava cantar.
Eu nunca tinha lido essas coisas antes. Fico tentando imaginar o que meus pais pensavam, na época, quando liam. Mas o impressionante é pouco disso tudo ter mudado realmente.
30 de jan. de 2010
my girl
Eu me lembro até hoje do meu primeiro dia de aula no colégio. Pouco antes de sair de casa, com meu abrigo da Lilica e minha mochila rosa - eu já tive coisas rosas! -, eu estava pensando na possibilidade de me perder lá dentro. O Marista, como todas as coisas quando a gente é pequeno, parecia enorme. Que decepção teria sido se eu tivesse descoberto, na época, que ele não tem nem a metade do tamanho dos de Porto Alegre.
Eu não me perdi lá dentro, é claro. Seria mais fácil isso acontecer na sala de aula, com tantas pessoas diferentes no mesmo espaço. Não é difícil se perder na diversidade.
Tinha o Kauê, um loirinho com quem eu fiz um trabalho em duplas uma vez e que me emprestou lápis de cor. (Não tenho idéia de que fim o levou, mas eu me lembro dele até hoje só por isso.) Tinha o Rossi, que já sabia ler. Tinha um tal de Fernando. Tinha todo mundo da Toca.
E tinha o Moisés - na época com mais orelhas de abano do que eu.
Mais tarde, na quarta série, ele sentava atrás de mim, e eu comentei em um diário que ele me chamava de animal incompetente. (Errei três vezes essa palavra. Dislexia pegando.) Toda a delicadeza do mundo, hum?
Mais tarde ainda, na oitava série, e até hoje eu não sei como, a gente namorou.
É difícil dizer com certeza em qual das três épocas nós éramos mais crianças - se na primeira, na quarta ou na oitava série. Mas valeu a pena.
Ele não foi o primeiro beijo, mas, olhando com os olhos de 19 para a menina de 14 que eu era àquela época, foi com certeza o que de mais bonito aconteceu aquele ano. Menos de dois meses. Mas com direito a uma azaléia roxa no cabelo em um fim de tarde de inverno tão bonito.
Depois disso, a gente só voltou a conversar e a conviver que nem gente no terceiro ano, depois de uma prova de biologia em duplas escolhidas pela Liane ao acaso.
E a história "fechou", onze anos depois da primeira série, com um abraço na formatura.
Mas não o carinho.
28 de jan. de 2010
as memoráveis
"Como desenhar uma pirâmide ou um tetraedro regular, para iniciantes/amadores. Façam duas linhas, mais ou menos como se vocês fossem desenhar um meio losango. Ou um meio quadrado, também serve. Depois façam um ponto acima delas e liguem o vértice e as pontas das linhas até ele. A parte de trás é só tracejar."
"Vocês são muito bons. Eu conheço vários e eu sei que tem gente muito boa aqui.
Não, mentira, né? Eu não conheço e não sei o nome nem de metade, no mínimo. Mas é, é verdade, eu não tô nem aí."
"Dia 20 de agosto de 1977. O acontecimento mais importante daquele ano na Guerra Fria."
"Tem uma questão no simulado que, bah, vai ser arrasa-quarteirão!"
"Quando vocês quiserem se lembrar de qualquer coisa do Barroco, pensem no Michael Jackson."
"Teve uns doentes aí que acertaram só 10. 10 em química é algo próximo da mediocridade total."
"Ai, ai, ai... Pára, pára, pára tudo. Ponham um ob aí!"
E deu certo.
"Vocês são muito bons. Eu conheço vários e eu sei que tem gente muito boa aqui.
Não, mentira, né? Eu não conheço e não sei o nome nem de metade, no mínimo. Mas é, é verdade, eu não tô nem aí."
"Dia 20 de agosto de 1977. O acontecimento mais importante daquele ano na Guerra Fria."
"Tem uma questão no simulado que, bah, vai ser arrasa-quarteirão!"
"Quando vocês quiserem se lembrar de qualquer coisa do Barroco, pensem no Michael Jackson."
"Teve uns doentes aí que acertaram só 10. 10 em química é algo próximo da mediocridade total."
"Ai, ai, ai... Pára, pára, pára tudo. Ponham um ob aí!"
E deu certo.
23 de jan. de 2010
22 de jan. de 2010
mentiras
Férias à 2007, com um monte de livros pra ler, mas sem nada de verdade pra fazer.
Não que eu esteja procurando, também. Não.
Tem uma aranha morta na minha frente.
Meu quarto pode ser um lugar assustador, com o armário vazio, todas as coisas espalhadas quase aleatoriamente, mais duas malas cheias vindas de Porto Alegre, tudo precisando de lugar. Eu me assustei. Porque armaram uma armadilha. E eu fui forçada a cair e a arrumar tudo.
É inevitável fantasiar. Eu imagino como quem escreve consegue escrever. Quero dizer, se eu quisesse escrever um livro, eu não conseguiria, porque não saberia com o que encher duzentas páginas. Ninguém tem tanto pra dizer ou redizer. Ninguém tem tanto o que copiar ou parafrasear. Mesmo com uma idéia completa, por assim dizer, minimamente decente (ou não) - não digo nem com começo, meio e fim -, requer lingüiça demais. Eu leio um monte deles, mas são todos uns mentirosos. And so am I.
Queria um cd só com instrumentais. Com solos de sax. Ando meio aversa às palavras. Ou saturada delas. Porque sempre são muitas, mas poucas vezes dizem de verdade. E não tem nada melhor pra se ouvir de madrugada, de qualquer forma.
Eu me lembro de uma aula de geografia do terceiro ano com o Eduardo. Ele nos entregou um texto - Intenções por trás das palavras, Stephen Kanitz - e pediu que a gente, depois de ler, escrevesse sobre. Eu escrevi duas frases amadoras, com uma simplicidade grosseira que no caso não era simplicidade mas mediocridade. E ele escreveu abaixo, em vermelho: "Bom. Pena que o tempo não te deixou escrever mais". Eu tenho vontade de rever o Marista. Mas não o suficiente pra ir até lá. Não o suficiente a ponto de ter cara o suficiente pra ir até lá.
Via Láctea. Recém visto. Não é sempre que a juventude prefere a juventude.
Não que eu esteja procurando, também. Não.
Tem uma aranha morta na minha frente.
Meu quarto pode ser um lugar assustador, com o armário vazio, todas as coisas espalhadas quase aleatoriamente, mais duas malas cheias vindas de Porto Alegre, tudo precisando de lugar. Eu me assustei. Porque armaram uma armadilha. E eu fui forçada a cair e a arrumar tudo.
É inevitável fantasiar. Eu imagino como quem escreve consegue escrever. Quero dizer, se eu quisesse escrever um livro, eu não conseguiria, porque não saberia com o que encher duzentas páginas. Ninguém tem tanto pra dizer ou redizer. Ninguém tem tanto o que copiar ou parafrasear. Mesmo com uma idéia completa, por assim dizer, minimamente decente (ou não) - não digo nem com começo, meio e fim -, requer lingüiça demais. Eu leio um monte deles, mas são todos uns mentirosos. And so am I.
Queria um cd só com instrumentais. Com solos de sax. Ando meio aversa às palavras. Ou saturada delas. Porque sempre são muitas, mas poucas vezes dizem de verdade. E não tem nada melhor pra se ouvir de madrugada, de qualquer forma.
Eu me lembro de uma aula de geografia do terceiro ano com o Eduardo. Ele nos entregou um texto - Intenções por trás das palavras, Stephen Kanitz - e pediu que a gente, depois de ler, escrevesse sobre. Eu escrevi duas frases amadoras, com uma simplicidade grosseira que no caso não era simplicidade mas mediocridade. E ele escreveu abaixo, em vermelho: "Bom. Pena que o tempo não te deixou escrever mais". Eu tenho vontade de rever o Marista. Mas não o suficiente pra ir até lá. Não o suficiente a ponto de ter cara o suficiente pra ir até lá.
Via Láctea. Recém visto. Não é sempre que a juventude prefere a juventude.
18 de jan. de 2010
pós.
Eu esqueci de dizer que ele entrou na ufrgs "pela cozinha", nas palavras dele. O que não faz a menor diferença. Mas em tempos de vestibular é sempre um ponto relevante e até um conforto.
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Se eu não passar, ponho uma faixa aqui na frente só pra comemorar meu 21 em química - e chorar o 10 em biologia. Tô pasma com ambos.
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Se eu não passar, ponho uma faixa aqui na frente só pra comemorar meu 21 em química - e chorar o 10 em biologia. Tô pasma com ambos.
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Há cinco dias sem música, há um ano sem os livros que eu quero ler e há pelo menos uns meses sem tv - o que o vestibular não é capaz de fazer com uma pessoa -, a primeira coisa que eu ouvi, no Big Brother, quando liguei a tv um dia de noite: "Nada contra a Lady Gaga, mas eu gosto mesmo é de The Doors."
Mas, na pior das hipóteses, ao menos esse cenário deve mudar, já que eu tenho uma livraria/café/locadora na esquina de casa. Não que ficasse muito longe antes, mas qualquer coisa na esquina é sempre um estímulo; e na esquina de antes havia um estacionamento, o que não me é de grande utilidade.
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Falando nos livros que eu quero ler, eu gosto do Marcelo Rubens Paiva quando ele fala de como um jornalista não tem vida ou de como a desgraça do homem é se achar melhor do que o concorrente.
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No último dia de prova, eu saí, sentei na calçada, me escorei no portão e fiquei ali esperando meu pai. Eram quinze pra uma. O último dos meus colegas, que sempre era o último da sala dele, apareceu à uma e pouquinho. Nós conversamos sobre as provas, que tinham sido um pouco mais complicadas e esquisitas do que a gente imaginava, ele me ofereceu carona, e eu disse que não, obrigada, tô esperando meu pai, ao que ele respondeu que então tá, tchau, espero que passemos. E foi embora. Caetano ele, se não me engano. Um dos que entraram só em novembro, na revisão. Formado já. Sabia tudo de literatura. Provavelmente gabaritou, com a prova como tava. Ele passa. Tomara.
No último dia de prova, eu saí, sentei na calçada, me escorei no portão e fiquei ali esperando meu pai. Eram quinze pra uma. O último dos meus colegas, que sempre era o último da sala dele, apareceu à uma e pouquinho. Nós conversamos sobre as provas, que tinham sido um pouco mais complicadas e esquisitas do que a gente imaginava, ele me ofereceu carona, e eu disse que não, obrigada, tô esperando meu pai, ao que ele respondeu que então tá, tchau, espero que passemos. E foi embora. Caetano ele, se não me engano. Um dos que entraram só em novembro, na revisão. Formado já. Sabia tudo de literatura. Provavelmente gabaritou, com a prova como tava. Ele passa. Tomara.
Depois, apareceu um baixinho, de cabelo comprido, que sentou por ali pra esperar também. Perguntou como eu tinha ido e, conversa vai e vem, disse que queria ser escritor.
Ainda existe? Pessoas que queiram ser escritoras. Não sei. Mas eu disse que também queria, não ser escritora, só escrever, sei lá onde, sei lá sobre o quê, porque é bom.
"Exorcisar".
Afinidades momentâneas dignas de registro.
13 de jan. de 2010
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Eu gosto mais de mim quando eu resolvo fazer alguma coisa que eu quero, no fundo. Ou, em outras palavras, eu me acho - e sou - uma pessoa melhor quando resolvo tomar alguma iniciativa, independentemente de de que proporções.
Foi no intervalo do pré-prova. Eu fiquei cuidando enquanto ele se dirigia à porta, em meio à massa de camisetas verdes. Pensei em ir atrás, mas desisti. Muita gente em volta, muita gente falando... Muita gente. Mas, quando eu olhei de novo, ele tinha voltado. Foi até o fundo da sala, pegou a bolsa, voltou até a porta de entrada e sentou pra fazer uma ligação. E foi aí que, em uma espécie de epifania, eu decidi que precisava daquilo, levantei e comecei a andar. Talvez porque eu soubesse que, pelo menos pra mim, levantar e começar a andar implica não dar meia volta. Esperei ele desligar o celular e agradeci. Um agradecimento bem ao meu estilo, rápido e simples, de quem "tá sempre quietinha lá no fundo", diferente dos exaltados e gritantes que eu já tinha visto ele receber. Ganhei um "Oh... Querida! Eu que agradeço", um abraço e um beijo, tudo mais ou menos ao mesmo tempo. Ficamos os dois ali, conversando, até quase o final do intervalo, e então eu voltei para o meu lugar. Feliz, mas com aquela tristeza característica e decorrente da sensação da possibilidade de nunca mais se ver alguém.
Foi a melhor pessoa que eu conheci nesses últimos tempos. E possivelmente também em todos os outros.
Foi no intervalo do pré-prova. Eu fiquei cuidando enquanto ele se dirigia à porta, em meio à massa de camisetas verdes. Pensei em ir atrás, mas desisti. Muita gente em volta, muita gente falando... Muita gente. Mas, quando eu olhei de novo, ele tinha voltado. Foi até o fundo da sala, pegou a bolsa, voltou até a porta de entrada e sentou pra fazer uma ligação. E foi aí que, em uma espécie de epifania, eu decidi que precisava daquilo, levantei e comecei a andar. Talvez porque eu soubesse que, pelo menos pra mim, levantar e começar a andar implica não dar meia volta. Esperei ele desligar o celular e agradeci. Um agradecimento bem ao meu estilo, rápido e simples, de quem "tá sempre quietinha lá no fundo", diferente dos exaltados e gritantes que eu já tinha visto ele receber. Ganhei um "Oh... Querida! Eu que agradeço", um abraço e um beijo, tudo mais ou menos ao mesmo tempo. Ficamos os dois ali, conversando, até quase o final do intervalo, e então eu voltei para o meu lugar. Feliz, mas com aquela tristeza característica e decorrente da sensação da possibilidade de nunca mais se ver alguém.
Foi a melhor pessoa que eu conheci nesses últimos tempos. E possivelmente também em todos os outros.
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