"Se você tiver interesse ainda que remoto pela esquisitice, variedade e beleza da humanidade, então o autismo traz muito a se admirar."
Terminei as memórias do Saramago, que é uma delícia, e comecei esse do Nick Hornby, Frenesi Polissilábico, que na verdade são artigos dele pra uma coluna entre 2003 e 2006. E ele fica só ali, falando dos livros que ele leu e comprou, desde que não fale mal de ninguém - nesse caso, ele não pode citar nomes, hah. Vidão.
Mas nós sabemos que ele tem um filho autista, e no pouco que eu li até agora ele tocou no assunto falando no livro (George and Sam) de uma mulher (Charlotte Moore) sobre os filhos dela, autistas. Tem até um trecho (três páginas), que eu ainda não li, mas decidi ler o livro, porque autismo me interessa desde quando eu era criança e vi pela primeira vez o menininho da campanha da Turma da Mônica, e só não li nada sobre até hoje porque praticamente todos os livros que eu já li chegaram por acaso, ou por meio de outros, ou por indicação, ou por ouvir ou ler algo a respeito. Digo, eu sempre fiz o possível pra conseguir os livros que eu quis, mas eu nunca fui, diretamente, atrás de nenhum. Acho que é sempre assim, na verdade. Enfim
Mas não é sobre autismo, o livro do Hornby. É sobre por que a gente lê, e por que a gente sente prazer em ler, mesmo sabendo que ler pode ser bem chato. E quem sou eu pra saber. Mas eu adoro.
"(...) Mas fiquei sabendo que George W. Bush foi acordado pelo Serviço Secreto às 23:08, no dia 11 de setembro. Como assim 'acordado'? Ele não ficou até tarde trabalhando? Como ele conseguiu dormir? Se tivesse sido comigo, eu teria ficado acordado até às seis, bebendo, fumando, assistindo à tv e no dia seguinte estaria um trapo, imprestável. Vê se concorda comigo: deve ter alguma coisa errada, pois os líderes mundiais não se destacam por suas habilidades de resolver problemas globais, mas de cair no sono em questão de segundos. A maioria das pessoas decentes não consegue pegar no sono com facilidade, e, pelo jeito, é por isso que o mundo está nessa bagunça."
4 de fev. de 2011
31 de jan. de 2011
e sentir
Não se sabe o que é sentir. Poderia ser a constatação da vulnerabilidade. O viver entre o alto e o baixo, como se jamais se pudesse estar em um patamar de estabilidade. Dor, frustração, cansaço, pessimismo, descrença povoam a alma. Quem sabe o que é a vida. Sabe-se que liberdade não existe. E a busca pela expressão e as frases curtas que não dizem nada. E as frases longas que se pretendia se perdem na esfera dos pensamentos que não se fazem transcritos, por incompetência, impaciência ou simplesmente por impossibilidade, porque há o que não pode ser escrito - só sentido.
A fricção das unhas sobre a pele.
Em italiano, aprende-se a desnecessidade do sujeito.
Estávamos sós - mas havia outra vida para além daqueles dias - o resto dos dias - os dias desconhecidos. E todos os sentimentos se mantinham resguardados no limite daqueles dias - os dias conhecidos. A saudade como efeito da crença em algo que não existia. Terá nunca existido?
A dor pungente. "Sentis uma dor, e, quanto mais ignorais, tanto mais sentis essa dor." Nos momentos em que se acredita, sana ou insanamente, na eternidade do que causa dor. O arrastar do tempo e o arrastar de tudo.
Acorda-se um dia, de repente, e vem a percepção de que a eternidade é falsa. O alívio. Porque ninguém pode ser mártir para sempre sem morrer. E mesmo morrendo. Não está mais ali, então. Nem a dor nem os motivos - e a história é só memória boa, que não dói lembrar. Nunca se sabe como - nunca há de se saber como -, mas não está mais ali do mesmo modo de antes. E o sentir já é outra coisa.
Puderam os anos serem sempre períodos assim.
A fricção das unhas sobre a pele.
Em italiano, aprende-se a desnecessidade do sujeito.
Estávamos sós - mas havia outra vida para além daqueles dias - o resto dos dias - os dias desconhecidos. E todos os sentimentos se mantinham resguardados no limite daqueles dias - os dias conhecidos. A saudade como efeito da crença em algo que não existia. Terá nunca existido?
A dor pungente. "Sentis uma dor, e, quanto mais ignorais, tanto mais sentis essa dor." Nos momentos em que se acredita, sana ou insanamente, na eternidade do que causa dor. O arrastar do tempo e o arrastar de tudo.
Acorda-se um dia, de repente, e vem a percepção de que a eternidade é falsa. O alívio. Porque ninguém pode ser mártir para sempre sem morrer. E mesmo morrendo. Não está mais ali, então. Nem a dor nem os motivos - e a história é só memória boa, que não dói lembrar. Nunca se sabe como - nunca há de se saber como -, mas não está mais ali do mesmo modo de antes. E o sentir já é outra coisa.
Puderam os anos serem sempre períodos assim.
minhas férias até aqui
"Existiria algo tão real quanto as palavras?"
"Chegamos a tal ponto que a 'vida viva' autêntica é considerada por nós quase um trabalho, um emprego, e todos concordamos no íntimo que seguir os livros é melhor."
"O mundo gira, mas parece que estou sempre no mesmo lugar. Girei sem sair do lugar. Pulei sem ter para onde ir. Minha vida é o sobe-e-desce de uma cama elástica."
"Morrer - dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne"
"Quem tem um só grão de sapiência,
E hei, e ho, mesmo com vento e chuva,
Faz do que tem sua conveniência
Pois a chuva, ela chove todo dia."
"A vida é só uma sombra: um mau ator
Que agita e se debate no palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria,
Sem querer dizer nada."
"(...) aquele era nada mais nada menos que o meu primeiro balão em todos os seis ou sete anos que levava de vida. Íamos nós ao Rossio, já de regresso a casa, eu impante como se conduzisse pelos ares, atado a um cordel, o mundo inteiro, quando, de repente, ouvi que alguém se ria nas minhas costas. Olhei e vi. O balão esvaziara-se, tinha vindo a arrastá-lo pelo chão sem me dar conta, era uma coisa suja, enrugada, informe, e dois homens que vinham atrás riam-se e apontavam-me com o dedo, a mim, naquela ocasião o mais ridículo dos espécimes humanos. Nem sequer chorei. Deixei cair o cordel, agarrei-me ao braço da minha mãe como se fosse uma tábua de salvação e continuei a andar. Aquela coisa suja, enrugada e informe era realmente o mundo."
"Chegamos a tal ponto que a 'vida viva' autêntica é considerada por nós quase um trabalho, um emprego, e todos concordamos no íntimo que seguir os livros é melhor."
"O mundo gira, mas parece que estou sempre no mesmo lugar. Girei sem sair do lugar. Pulei sem ter para onde ir. Minha vida é o sobe-e-desce de uma cama elástica."
"Morrer - dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne"
"Quem tem um só grão de sapiência,
E hei, e ho, mesmo com vento e chuva,
Faz do que tem sua conveniência
Pois a chuva, ela chove todo dia."
"A vida é só uma sombra: um mau ator
Que agita e se debate no palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria,
Sem querer dizer nada."
"(...) aquele era nada mais nada menos que o meu primeiro balão em todos os seis ou sete anos que levava de vida. Íamos nós ao Rossio, já de regresso a casa, eu impante como se conduzisse pelos ares, atado a um cordel, o mundo inteiro, quando, de repente, ouvi que alguém se ria nas minhas costas. Olhei e vi. O balão esvaziara-se, tinha vindo a arrastá-lo pelo chão sem me dar conta, era uma coisa suja, enrugada, informe, e dois homens que vinham atrás riam-se e apontavam-me com o dedo, a mim, naquela ocasião o mais ridículo dos espécimes humanos. Nem sequer chorei. Deixei cair o cordel, agarrei-me ao braço da minha mãe como se fosse uma tábua de salvação e continuei a andar. Aquela coisa suja, enrugada e informe era realmente o mundo."
29 de jan. de 2011
a aranha
Tava deitada no banco da rua, lá em casa, esperando meu pai pra vir pra praia com ele, quando uma hora olhei pra parede e vi uma aranha se balançando num fio de teia, mais ou menos um metro acima da minha cabeça. Cheguei a pensar em levantar, vai que ela cai, mas desisti, porque ela não descia, e afinal de contas se eu estava deitada, era porque queria ficar deitada, e não sentada e muito menos de pé. Fiquei ali olhando a aranha subindo, descendo e balançando pendurada no fio invisível de teia. O cara que inventou o rapel deve ter se inspirado nisso. Pouco depois ela começou a descer mais e, então, eu levantei, mesmo sabendo que não ia acontecer nada, por uma dessas reações que nos ensinam a ter desde criança. Fiz menção de pegar a vassoura do meu lado pra matar aranha, mas desisti. Sentei de novo, olhando pra cima. Ela ficou ainda um tempinho ali e depois subiu pro telhado. E eu fiquei pensando em qual teria sido, afinal, a minha vantagem se eu tivesse matado a coitada com vassoura quando tive chance. A certeza de saber que ela não entraria na minha casa? E daí. A probabilidade de uma aranha entrar em uma casa e picar alguém é menor do que a de ela entrar, ser vista e ser morta. Se desde o início eu não tivesse percebido a presença dela, nada teria sido diferente pra mim ou pra ela.
Tem tanta coisa assim na vida. As coisas que talvez se a gente só ignorasse e deixasse quieto, em lugar de ficar paranóico e 'tomar uma providência', não dariam em absolutamente nada, não mudariam nada na vida de ninguém, e seria melhor assim, pra todos os lados. Mas acho que nós raramente somos treinados a ignorar - nós somos incitados a agir, sempre.
Nessa hora minha mãe apareceu na janela: "Ué, tá fazendo o que aí?"
Não tô fazendo nada. Tô só pensando nas aranhas.
Tem tanta coisa assim na vida. As coisas que talvez se a gente só ignorasse e deixasse quieto, em lugar de ficar paranóico e 'tomar uma providência', não dariam em absolutamente nada, não mudariam nada na vida de ninguém, e seria melhor assim, pra todos os lados. Mas acho que nós raramente somos treinados a ignorar - nós somos incitados a agir, sempre.
Nessa hora minha mãe apareceu na janela: "Ué, tá fazendo o que aí?"
Não tô fazendo nada. Tô só pensando nas aranhas.
19 de jan. de 2011
na cozinha com o maninho
Cozinhei com meu irmão hoje. Arroz, bife e ovo, risos. Na verdade ele fez os bifes e fritou os ovos e eu só esperei o arroz secar, mas ainda assim. Questão de hierarquia etária. Depois fiz ele limpar o fogão, "agora".
Desde já treinando para quando o fatídico dia chegar. E o que vai ser da minha vida nesse dia, meu deus.
Desde já treinando para quando o fatídico dia chegar. E o que vai ser da minha vida nesse dia, meu deus.
17 de jan. de 2011
aconteceu, e assim pareceu
Falam tanto do íntimo humano. Dos problemas e sentimentos humanos. Mas quem entende? Ninguém que não sinta é capaz de de fato entender. De saber. Os ímpetos que nos assolam. Bobagem. Não existem terapia ou remédios. Existe sentir e não sentir. Existe sentir, parar de sentir e se mexer e dar um jeito. Ou não. Ou contentar-se em carregar tudo pelo resto da vida pra sentir de mês em mês e então não saber o que fazer e querer poder jogar tudo-nada pro alto. Existe louça pra lavar e secar. Roupas a serem lavadas, penduradas, recolhidas antes da chuva e passadas.
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Mas acho que fiz o que podia ter feito de melhor por mim nesse verão: li Shakespeare.
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Mas acho que fiz o que podia ter feito de melhor por mim nesse verão: li Shakespeare.
3 de jan. de 2011
2 de jan. de 2011
r
Acordei às cinco e meia. Faz dias que eu não durmo como gostaria e como eu costumo.
Mas na praia, ainda com chuva, não é de todo ruim.
Eu odeio seres humanos, e a mim mesma, odeio a nossa espécie por ter a mais desnecessária das capacidades. E habilidades. Isso de conseguir tornar tudo um pouco mais difícil. Nada é páreo para a estupidez de um ser humano. Não há nada simples que não possa ser complicado, não há nada fácil que a gente não possa dificultar. Ver dragões em moinhos. A cada situação estranha - nova. E estragar, mesmo que involuntariamente, ou simplesmente tentar estragar, mesmo que involuntariamente, o que é bom ou qualquer coisa que faça mais bela e válida a existência humana na Terra. Que vida precisa de estima? "Uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?" A nossa tolice pode ser resumida na escolha do segundo, mesmo sem reconhecimento ou admissão. Nós somos seres humanos. Maiores do que isso. Nobres e evoluídos. Sempre em frente.
Mas na praia, ainda com chuva, não é de todo ruim.
Eu odeio seres humanos, e a mim mesma, odeio a nossa espécie por ter a mais desnecessária das capacidades. E habilidades. Isso de conseguir tornar tudo um pouco mais difícil. Nada é páreo para a estupidez de um ser humano. Não há nada simples que não possa ser complicado, não há nada fácil que a gente não possa dificultar. Ver dragões em moinhos. A cada situação estranha - nova. E estragar, mesmo que involuntariamente, ou simplesmente tentar estragar, mesmo que involuntariamente, o que é bom ou qualquer coisa que faça mais bela e válida a existência humana na Terra. Que vida precisa de estima? "Uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?" A nossa tolice pode ser resumida na escolha do segundo, mesmo sem reconhecimento ou admissão. Nós somos seres humanos. Maiores do que isso. Nobres e evoluídos. Sempre em frente.
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