Até poucos anos, eu pensava em escrever como algo recente. Não sei bem quando me dei conta de que, na verdade, é algo que eu sempre fiz. Desde os diários infantis, das historinhas para preencher as páginas do "caderno grande", não recomendado (vai entender) pras crianças das séries iniciais. Demorou pra eu acordar. O que é engraçado: algo presente de uma forma tão natural e cotidiana que demora a ser percebido, como essência, como necessidade.
*
É difícil descrever a relação. Ou o que eu espero disso. É difícil imaginar escrever um livro tanto quanto é difícil negar que eu imagine. É difícil, sobretudo, ver. E talvez seja isso mesmo: difícil.
*
Tenho ouvido, com mais frequência do que poderia esperar, que esse é "o meu caminho". Como se a vida de uma pessoa se resumisse a um caminho. A um único caminho. Meu caminho é esse, logo deleta-se todo o resto. Eu gosto de ouvir, mas não sei até que ponto acredito ou não. Como essas pessoas me veem? O que elas veem? Com base no que elas chegam a essa conclusão? São perguntas sinceras, todas sem resposta.
*
Tem períodos em que eu escrevo todos os dias e outros em que eu passo semanas ou meses sem escrever uma palavra. Anoto ideias, fragmentos e frases em cadernos espalhados - um na bolsa, outro na cabeceira, outro na mesa da sala - mas é diferente. Eu preciso sentar, não importa onde, e abrir o notebook, não importa a hora, só pra escrever. Poucas coisas são mais familiares que a caixa de texto do blogger e o layout tosco de fundo preto. E as palavras, bem ou mal, estão ali. And by morning it is a mess or a masterpiece. Um mundo à parte do próprio mundo. Em tantos momentos. De horas e dias e pensamentos estruturados em narrativas. Porque de outra forma a vida seria mais pobre e mais solitária.
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Eu escrevo a vida que eu quero. A vida que eu não vivo. Uma vida que é verdade porque é imaginada.
1 de out. de 2013
22 de mai. de 2013
essa foto mostra só um pedaço, um pedaço bem pequeno, do pátio da casa da minha vó, que agora é a casa do meu pai. à esquerda, onde a câmera limitada do celular não pegou, fica um dos pinheiros. também à esquerda, depois da cerca, tem uma lavoura, outra cerca e um terreno imenso onde ficam as vacas e os terneiros, eventualmente. quando criança, meus primos costumavam passar parte das férias de verão lá. eu ia junto. fazia minha própria mala, ainda que morasse na mesma cidade, atravessava canela e ia ficar com eles e meus avós. é difícil pensar em um lugar melhor e onde a gente pudesse se divertir mais do que uma casa com um pátio tão grande e tantos lugares pra brincar de esconde-esconde. meu vô não nos deixava ir além da lavoura, mas nós íamos mesmo assim. a gente gostava de correr e ver as fogueiras que meu vô fazia com as grimpas, naquele tempo ainda mais imensas do que hoje. na árvore grande no centro da foto ficava o nosso balanço, feito e pregado pelo vô. o tronco também servia de suporte pro alvo que a gente montava pra atirar com a espingarda velha dele. no inverno, eu e meu primo saíamos, devidamente agasalhados, cada um com uma sacolinha, pra ver quem trazia mais pinhões. a fumaça escapando da nossa chaminé e das chaminés de todas as casinhas ao redor e ao longe. não que a gente não tivesse um videogame na sala, mas nem mesmo nos dias de chuva ele chegava a ser usado. quando chovia, a gente tirava dos armários todos os jogos que cada um trazia de casa ou sujava as mangas das camisetas desenhando. minha vó fazia bolos, sobremesas e a melhor massa com galinha que eu já comi na vida - pra sempre. esse tempo não existe mais, como também o pátio e a casa dos meus avós já são outros. meus avós não estão mais lá. nem nós, nas férias. mas ainda hoje, mais de dez anos depois, eu não consigo pensar em um lugar melhor. ainda é lá que eu passo tantos domingos, ainda é lá que eu esqueço do resto do mundo e me deixo sorrir verdadeiramente. aconchego, é a palavra. o tipo de aconchego que só existe nas cidades pequenas, na casa dos avós.
22 de jan. de 2013
o gosto de sangue na minha boca
Não me lembro de muita gente falando do Aaron Swartz antes de 11 janeiro, quando ele foi encontrado enforcado no apartamento em Nova York. Ou, anos mais cedo, do Yoñlu, antes de ele se matar no banheiro de casa. Ou de outros tantos além deles. Mas de 12 de janeiro pra cá vêm de todos os lados os textos que falam sobre Aaron Swartz, de veículos reconhecidos ou independentes, de profissionais conhecidos ou de pessoas 'anônimas' no facebook que compartilham posts incessantemente. Na maioria dos textos que li, eles falam de "possível suicídio" e "provável suicídio", falam de "encerrar a própria vida" e "deixar este mundo". Entre os autores desses textos, poucos foram capazes de afirmar o suicídio. Sim, ele se matou. Mas são jornalistas, não podem afirmar sem provas. Mas ele se matou. E afora todas as questões envolvendo depressão, escolha pessoal, problemas judiciais e a injustiça de um sistema que caça e pune quem atua concretamente em prol da liberdade e do conhecimento, todos esses textos parecem dar o mesmo recado: você gênio da internet ou da música, você de sensibilidade ou inteligência extremas, você qualquer pessoa que sofre: você precisa morrer ou você precisa se matar para ser reconhecido. Mais do que isso: para ter reconhecida a dor que você carregou durante as décadas por que conseguiu viver. Como se estar vivo fosse um atestado de que a dor não é tão grande. Se você realmente sofresse, você se mataria. Todas as pessoas espalhadas pelo mundo para quem esse mesmo mundo dói tanto quanto doía para Aaron e Yoñlu e que por algum motivo não querem - ou simplesmente não conseguem - cometer suicídio. Elas não existem. Incógnitas entre os demais, porque por algum motivo não querem - ou simplesmente não conseguem - falar. Nós falamos com elas, passamos por elas na rua, não é nem difícil que convivamos com elas. Sem saber. A dor do mundo, a dor de viver, nunca vai ser verdadeiramente percebida por alguém que não tem a menor ideia do que é senti-la. Não importa quantos textos sejam escritos. A dor de quem sofre sem ser diagnosticado, que acaba sendo vista como uma fase, aquele momento ruim que vai passar. Não é tão sério assim. Se fosse, existiria um psicanalista, um antidepressivo ou uma corda no pescoço. Essa dor, que se manifesta com mais ou menos intensidade, com mais ou menos frequência, dependendo da pessoa e dependendo da vida dela, é invisível aos olhos do mundo. E se o mundo, a vida e as pessoas fossem justos, alguém como o Aaron não seria ameaçado com 35 anos de cadeia. Se o mundo fosse justo, as pessoas, todas elas, todos nós seríamos considerados pessoas e tratados como tal. Talvez, só talvez, se o mundo fosse só um pouco melhor e mais justo, nem Aaron nem Yoñlu nem tantos outros além deles precisariam sequer pensar em suicídio.
30 de out. de 2012
cartas
Lembro vagamente as últimas vezes em que escrevi e recebi uma carta. Pelo correio, com selo, escrita à mão e tudo mais que uma carta que se preze precisa ter. Eu e uma amiga, filha de uma amiga da minha mãe, a certa altura resolvemos nos corresponder por cartas. Ainda que fosse mais velha, ela aparentemente não via problema nem absurdo na situação e encontrava tempo para escrever cartas para uma criança sem muito mais o que fazer na época. E ela fazia coisas incríveis: usava papéis coloridos de todos os tipos, fazia desenhos, usava o próprio papel da carta dobrado de jeitos diferentes que eu amava como envelope, botava perfume e um ps pra que eu cheirasse a folha e por aí vai. Não foi à toa que a moça se tornou publicitária. E eu - eu não sou nada, só continuo escrevendo. Como já escrevia naquela época e sempre achei mais fácil expressar qualquer coisa por meio de palavras escritas. Quando um parente - tio, tia, vô, vó, algum primo - fazia aniversário, minha mãe provavelmente não passou longe de fazer ameaças ou chantagens para que eu ligasse. Telefone sempre me apavorou. No final do terceiro ano, foi por e-mail que eu resolvi dizer ao colega que anos antes havia sido meu primeiro namorado que ele era, afinal, uma pessoa de quem eu inevitavelmente sempre me lembraria e a quem eu desejava toda a felicidade que fosse possível. Ele respondeu o e-mail de um jeito lindamente amável e entre todo o resto chamou a atenção para o fato de que era eu que me dava bem com as palavras escritas, ele preferiria me dizer tudo aquilo pessoalmente. Não sei há quantos anos eu não uso o correio para nada. Quero dizer, há quantos anos eu não uso, porque as contas seguem chegando sem erro mês a mês. Pensar em cartas hoje soa anacrônico, como pensar em lavar as roupas no tanque porque antigamente não existiam máquinas de lavar. Por que enviar uma carta quando se pode enviar um e-mail ou jogar mais uma mensagem no facebook da pessoa? Mesmo os e-mails, quando não referentes a trabalho, faculdade, newsletter de qualquer coisa, parecem ter sido substancialmente abandonados. Quase como se escrever um e-mail com a única finalidade contar algo a alguém fosse uma interpelação, uma invasão, uma perturbação do tempo e da caixa de entrada alheia. Uma pressão de resposta que o outro não quer sofrer. As pessoas estão todas variavelmente conectadas umas às outras em redes sociais, podem falar e dividir o que sentirem vontade quando sentirem vontade e com quem sentirem vontade, mas, em maior ou menor medida, deixam de conversar. De gastar talvez uma hora para realmente dizer algo a alguém. Mas é claro que isso é uma generalização tosca que, além de tosca, pode estar completamente distorcida. É mais ainda uma impressão. Baseada em nada mais do que observação breve. O fato é que quando recebo um e-mail, um e-mail que não seja referente a trabalho, faculdade ou newsletter de qualquer coisa, eu me alegro como com poucas coisas na vida. Dependendo do caso, meu coração acelera nos segundos que passam antes de eu abrir para ler, numa mistura deliciosa de expectativa, curiosidade e vontade que pode ser decepcionada ou satisfeita mas não importa. Necessidade de contato e diálogo com o outro a que todo ser humano está fadado e que se manifesta diariamente mesmo em mim, que sou capaz de ficar dias inteiros sem pronunciar nada. Dever ser por isso que às vezes deixo a consciência de lado e escrevo para quem a bem da verdade eu não tenho mais nada a dizer. Porque isso é uma mentira: sempre vão existir coisas a serem ditas. A quem esteja interessado em ouvir e a quem não esteja. As palavras são veneno e antídoto.
2 de out. de 2012
de um tempo que não acabou mas já passou
Hoje não vale nada. Como também já não valia naquele tempo. As manhãs intermináveis carregadas das mesmas discussões de tanto tempo atrás - papo furado, que se não anda em círculos tampouco chega a qualquer lugar. Conversas que dão ânsia de fuga no mais determinado de nós. E como são figuras tristes os nossos colegas determinados - não pela determinação, mas pelo emprego dela no infrutífero, em algo que, mais cedo ou mais tarde, perceberão, não vale o esforço. Eu acordo e vou para esse espaço em que paira uma atmosfera de superficialidade. O fenômeno dos lugares onde todos se conhecem sem conhecer quase ninguém. Não que não existam sentimentos entre os mais próximos, não que não haja amizades verdadeiras, mas sobra a interação com o resto - essa massa sempre estranha e alienada que nos rodeia.
Quanto a mim, eu nunca fui dos mais próximos, nunca criei com ninguém laços que fossem além do coleguismo. Não por falta de vontade. Nem mesmo por não gostar das pessoas. Muitos deles sempre foram e seguem sendo objetos do meu respeito, da minha consideração e do meu afeto. Não formei vínculos por culpa, é possível, da minha personalidade, que eu nunca consegui mudar. A aproximação com as pessoas é difícil para mim desde que consigo me lembrar de existir. Timidez, insegurança, receio, solidão, silêncio; um amontoado de variáveis em que já não é possível definir o que é causa e o que é consequência. O fato é que sou hoje, essencialmente, o que fui sempre: solitária, de sensibilidade exposta e vulnerável, de indiferença clara, perdida e fechada em melancolia e oscilações de fé na vida. A tristeza mediana de uma das histórias do livro do Paul Auster.
Tenho a impressão de que falta tempo e nada recebe a devida atenção, o empenho mínimo e necessário. Ou talvez eu não saiba, ainda, administrá-lo, porque não importa o quanto eu leia: sempre falta. E não importa o quanto eu escreva: é pouco ou não me satisfaz. Quando não os dois. Como produzir qualquer coisa digna e que valha a pena quando se faz tanto que não sobra concentração ou ânimo para fazer melhor? Pior: quando não se encontra nem um motivo para fazer melhor. Não sei exatamente de onde veio a ideia de que fazer menos é preguiça, "coisa de vagabundo". É seguindo essa linha fazemos sete cadeiras por semestre, não aprendemos nada direito em nenhuma e terminamos acreditando que fizemos uma grande coisa - sou foda, passei com A em todas. É seguindo essa linha que se faz tudo sem fazer nada. E o resultado disso é o futuro que eu vejo: pessoas - profissionais - capazes de fazer mil coisas ao mesmo tempo se for preciso, mas incapazes de fazer uma só - bem feita. É desolador pensar que talvez não haja mais nada para mim lá além da possibilidade, ainda que distante, de um dia terminar.
Perdi meu sentimento de pertença, partindo do pressuposto de que algum dia ele existiu concretamente e não apenas como uma presença em momentos esparsos. Esgotei minha energia de tentar ser como todos parecem ser, de tentar ser lembrada e reconhecida como igual. Depois de três anos de tolerância obediente, cansei, enfim, de ser diária e semestralmente julgada por quem a bem da verdade não sabe mais que o meu nome. E em tantas vezes nem isso. Gente igual a mim. Para algumas pessoas, diferentes das outras, na maioria das vezes é preciso tirar força e vontade sabe-se lá de onde só para viver. Quando há entrega demais, quando se sofre demais - por coisas grandes ou pequenas -, quando se sente demais.
Quanto a mim, eu nunca fui dos mais próximos, nunca criei com ninguém laços que fossem além do coleguismo. Não por falta de vontade. Nem mesmo por não gostar das pessoas. Muitos deles sempre foram e seguem sendo objetos do meu respeito, da minha consideração e do meu afeto. Não formei vínculos por culpa, é possível, da minha personalidade, que eu nunca consegui mudar. A aproximação com as pessoas é difícil para mim desde que consigo me lembrar de existir. Timidez, insegurança, receio, solidão, silêncio; um amontoado de variáveis em que já não é possível definir o que é causa e o que é consequência. O fato é que sou hoje, essencialmente, o que fui sempre: solitária, de sensibilidade exposta e vulnerável, de indiferença clara, perdida e fechada em melancolia e oscilações de fé na vida. A tristeza mediana de uma das histórias do livro do Paul Auster.
Tenho a impressão de que falta tempo e nada recebe a devida atenção, o empenho mínimo e necessário. Ou talvez eu não saiba, ainda, administrá-lo, porque não importa o quanto eu leia: sempre falta. E não importa o quanto eu escreva: é pouco ou não me satisfaz. Quando não os dois. Como produzir qualquer coisa digna e que valha a pena quando se faz tanto que não sobra concentração ou ânimo para fazer melhor? Pior: quando não se encontra nem um motivo para fazer melhor. Não sei exatamente de onde veio a ideia de que fazer menos é preguiça, "coisa de vagabundo". É seguindo essa linha fazemos sete cadeiras por semestre, não aprendemos nada direito em nenhuma e terminamos acreditando que fizemos uma grande coisa - sou foda, passei com A em todas. É seguindo essa linha que se faz tudo sem fazer nada. E o resultado disso é o futuro que eu vejo: pessoas - profissionais - capazes de fazer mil coisas ao mesmo tempo se for preciso, mas incapazes de fazer uma só - bem feita. É desolador pensar que talvez não haja mais nada para mim lá além da possibilidade, ainda que distante, de um dia terminar.
Perdi meu sentimento de pertença, partindo do pressuposto de que algum dia ele existiu concretamente e não apenas como uma presença em momentos esparsos. Esgotei minha energia de tentar ser como todos parecem ser, de tentar ser lembrada e reconhecida como igual. Depois de três anos de tolerância obediente, cansei, enfim, de ser diária e semestralmente julgada por quem a bem da verdade não sabe mais que o meu nome. E em tantas vezes nem isso. Gente igual a mim. Para algumas pessoas, diferentes das outras, na maioria das vezes é preciso tirar força e vontade sabe-se lá de onde só para viver. Quando há entrega demais, quando se sofre demais - por coisas grandes ou pequenas -, quando se sente demais.
9 de jul. de 2012
sobre morte e sobre chorar
É irônico como a morte, possivelmente o evento mais triste que pode se abater sobre determinado grupo de pessoas - uma família - minha família -, acaba se tornando por vezes também uma das poucas ocasiões de encontro dessa família. Primos e tios que uma vez decerto costumavam se ver toda semana, reunir-se nos aniversários, no natal, e que agora se encontram nos velórios. Os filhos crescem, vai cada um pra um lado, a vida toma seu rumo. E ali estavam esses primos do meu pai e do meu tio, esses tios e tias, pessoas que eu conheço de nome e de vista mas não muito mais do que isso e algumas das quais passaram a noite ao redor de um caixão, lembrando histórias, revelando detalhes até então desconhecidos dessas mesmas histórias. Meus dois avôs já morreram. E quando eles morreram eu não senti. Eu vi pessoas à minha volta visivelmente abaladas e me forcei a sentir aquilo também, uma lágrima que fosse, mas pouco ou nada aconteceu. No caso de um deles, foi só um ano depois. Meio tarde. Mas com a minha vó, mãe do meu pai, eu sabia que os finais de semana da minha infância, quase todos passados na casa dela, os jogos de carta, as brincadeiras e tudo mais que fosse não deixariam passar sem efeito. Eu saía do trabalho quando fiquei sabendo, depois de retornar uma ligação de casa em horário incomum. Eu chorei sentada nas escadas do sétimo andar da reitoria da UFRGS. Eu chorei no caminho até em casa, a chuva caindo e eu só queria chegar. Eu chorei no sofá, depois de parar de andar da sala pro quarto e do quarto pra sala sem saber o que fazer ou o que fazer primeiro. Eu chorei na rodoviária esperando o ônibus. Eu chorei no ônibus. Eu chorei na capela, depois que meu pai me acompanhou até o lado do caixão e eu não consegui olhar pro rosto sem vida da minha vó. Eu chorei em casa, naquela noite, e na manhã seguinte, quando fecharam o caixão e foi no ombro do meu tio que eu encontrei um lugar pra esconder o meu rosto. Eu chorei no banheiro, depois de ter entrado no quarto dela e visto todas as coisas - roupas, colares, perfumes, objetos - menos quem deveria estar ali. Ainda sinto meus olhos marejarem, de vez em quando, quando penso. E então eu tento não pensar. Tem um quê de morbidez em mexer nas coisas de uma pessoa com esse objetivo, de fazer uma triagem - o que guardar, o que dar, o que jogar fora. Eu e meu tio passamos o fim da tarde e a noite de sábado abrindo gaveta por gaveta, armário por armário. Encontramos as balas do revólver do meu vô. Dele também uma faquinha de uns dez centímetros, pouco mais, um canivete e uma caixa de moedas antigas, uma delas com quase duzentos anos. Queimamos cera de depilação, amostras velhas de creme e dezenas de papeizinhos. Vasculhamos caixas e caixas de colares, brincos e bijuterias antigas. Numa delas, eu encontrei o colar que ele, meu tio, havia feito pra ela quando ainda estava na escola, com uns oito anos, de missangas e papel enrolado. Cartões meus e do meu irmão. Bilhetinhos. Toda sorte de objetos – pingentes, correntinhas, pedras, livros do novo testamento. Remexemos em tudo, vimos fotos, lembramos histórias, rimos de várias delas, choramos ou nos emocionamos com outras, ao sabor de pinhão batido na chapa. Voltei pra casa com uma herança bem maior do que as pulseiras de ouro que eu já tinha ganhado nos meus 15 anos. Ela recortou as páginas das matérias que eu escrevi no JU. Não sabemos onde ela guardou. É estranho pensar em como todos esses objetos acumulados ao longo da vida deixam de fazer sentido quando a gente morre. Coisas que minha vó guardava com alguma intenção e que agora foram transformadas em lembranças materiais para quem ficou. E o resto - sabe lá. E ninguém sabe. Ninguém que passa por mim na rua pode perceber - eu perdi alguém. Eu perdi alguém que me amava e que eu amava também. A vida segue, outra vez, desgraçada como sempre.
5 de jul. de 2012
3 de jul. de 2012
rip
Quando se abre um blog e não vem nada à cabeça,
quando se abre um blog e se tem preguiça,
quando se abre um blog e postar nele parece ter perdido o sentido,
quando se abre um blog e o interesse não vem,
quando se abre um blog e escrever nele exige esforço,
quando se abre um blog, escreve-se nele com esforço e o resultado é um lixo,
quando tudo isso acontece, percebe-se claramente que esse blog morreu.
quando se abre um blog e se tem preguiça,
quando se abre um blog e postar nele parece ter perdido o sentido,
quando se abre um blog e o interesse não vem,
quando se abre um blog e escrever nele exige esforço,
quando se abre um blog, escreve-se nele com esforço e o resultado é um lixo,
quando tudo isso acontece, percebe-se claramente que esse blog morreu.
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